domingo, 12 de agosto de 2007

Sob o olhar da Sociologia dos Problemas Sociais

Como eu já disse, muitas de minhas vontades e dúvidas a respeito dos faxinais vieram depois de uma rápida análise do tema para uma reportagem. Na verdade o interesse surgiu ainda antes, com um primo de um primo meu, cargo comissionado do IAP (Instituto Ambiental do Paraná), que trabalhava com o assunto. Ele me explicou, na época como os faxinais eram tratados com diferenças inclusive dentro das próprias esferas governamentais. Como a SEAB (Secretaria de Estado de Agricultura e Abastecimento) queria a extinção dos faxinais, devido ao sistema de criação baixa (porco, galinha e cabrito) solto, em contato com as hortas.

Na internet, a despeito de algumas pesquisas do governo, o único material que encontrei foi a dissertação de mestrado em Economia pela UFPR, de Márcio da Silva, intitulada "A contribuição de florestas de araucária para a sustentabilidade dos sistemas faxinais". O autor trabalha com praticamente toda a literatura sobre o tema, o que não soma mais de cinco ou seis publicações. Entre as definições dos faxinais trabalha com a da professora CHANG, uma das primeiras pesquisadoras a trabalhar com faxinais, que define a composição dos faxinais a partir de características econômico-geográficas. Logo de início Da Silva descarta a hipótese da recente pesquisa da professora Madalena Nerone, que tenta explicar o modo de produção a partir da tradição luso-espanhola.

Portanto, Márcio explica como os faxinais surgiram a partir das condições materiais que aquela população enfrentou, em meados do século XIX, quando a região foi ocupada. As terras, de vasta predominância verde eram exploradas por seus proprietários então apenas para a extração da erva-mate, que faz parte da mata nativa. Dessa forma, eles deixavam que seus empregados habitassem na floresta, com suas criações para subsistência. O que aconteceu é que esses empregados acabaram se tornando posseiros, e o sistema de terras coletivas perdurou, mesmo depois de mudados os proprietários dos lotes. A explicação para a permanência da mata é devido à formação geográfica. O terreno plano, na região, embora de maior profundidade e facilidade, era mais ácido que o de pé-de-serra, ou fundo de vale, como queiram. Por isso as roças eram feitas nos sopés dos montes, devido à fertilidade do solo. Além do mais, a floresta próxima às casas oferecia clima mais ameno e a possibilidade de continuar o manejo da erva-mate.

Me ative, no entanto às definições de faxinais que Da Silva apresenta, já que sua abordagem posterior parte para a área da economia ecológica. Um ramo um pouco diferente do que pretendo em minha pesquisa, embora também fascinante. Ele pretende trazer um modelo de desenvolvimento sustentável, como preconiza a economia ecológica, para dentro dos faxinais. Não que o modelo faxinalense não preserve a natureza, mas porque ele é economicamente inviável. A própria degeneração dos faxinais é prova disso. Eles perdem dia a dia espaço para o agronegócio. Daí a sugestão do manejo do pinhão como alternativa de renda, junto com outras formas de financiamento, como a negociação de créditos de carbono.

O que pretendo, conforme disse no post anterior, é trabalhar a partir do vislumbre da sociologia dos problemas sociais. Algo na linha do que Mário Fuks fez em sua tese de doutorado posteriormente editada no livro "Conflito ambiental no Rio de Janeiro". Nela, o autor, através da análise de discurso, identifica como o tema do meio ambiente surgem em litígios judiciais acompanhados ou impetrados pelo Ministério Público.

Para tanto, Fuks parte da definição do caráter universal do Meio Ambiente. A constituição de 1988 caracteriza como meio ambiente também os aspectos sócio-culturais de um povo. Daí que grande parte das ações ambientais no Rio de Janeiro estarem justamente tratando do ambiente urbano, e não do natural, como seria de se esperar. E dentro do ambiente urbano, tratando quase que exclusivamente da ocupação do espaço urbano. É aqui que, já no começo identifico algo com o tema dos faxinais. Primeiro na universalidade da questão do meio ambiente. Não é de se espantar que a primeira menção a faxinal na legislação brasileira venha justo no decreto que trata da distribuição do ICMS ecológico (Decreto Estadual 3.666/97). Apesar de incluir os faxinais na mesma categoria das ARESUR (Área Especial de Uso Regulamentado), sem, portanto, considerar inicialmente os aspectos sociais, sua consequência é a organização gradativa dos faxinais, e o interesse de algumas ONGs nessas áreas. Essa é uma descoberta de FUKS que gostaria de explorar em meu trabalho, como que determinada lei opera na definição de um problema social.

O caso dos faxinais é emblemático, já que o papel do Estado não vem somente citar e destinar recursos para essas áreas, mas também em propiciar o surgimento de associações, como a Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses, que surge depois de encontro propiciado pelo IAP, em 2003. A consequência veio em 2006 com o reconhecimento dos faxinais como uma das Comunidades Tradicionais Brasileiras (voltarei ao assunto em outro post). Talvez seja isso precisamente o que pretendo alcançar com esse trabalho. Como o Estado precede a organização social nesse caso. Ou será que o processo seria inverso. Tenho ainda que conseguir acesso ao processo de formação desse decreto de 97, se é que isso é possível. Isso talvez elucidasse algumas das coisas. Fato é que hoje tramita na Assembléia um projeto de lei exclusivamente destinado a reconhecer os faxinais no Paraná e oferecer ao seu povo condições de reprodução social. Tenho o projeto em mãos ele estará num post oportuno, com comentários. Enfim, algumas perguntas permanecem, outras surgem.

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