quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Dois mil e oito

O ano começou bem, com muitas apostas. Todos criam num crescimento vigoroso da economia e das instituições. Um ano eleitoral, notadamente com mais dinheiro circulando. Dinheiro que movimenta votos e que agora, vai novamente ser represado até 2010. O ano começou com a febre do etanol e da inflação. Aparentemente todo mundo estava consumindo tudo ao mesmo tempo. Houve altas enormes nos preços dos alimentos. O petróleo atingiu o pico histórico, a marca de 147 dólares o barril Brent.

Tudo financiado com o dinheiro barato de uma bolha financeira internacional e avalisado pelo crescimento chinês, principalmente. Veio a Olimpíada e a China tirou o pé do acelerador. Os preços começaram a cair e despencaram quando a bolha bancária estourou. A queda foi profunda. A ela se seguiu uma rápida ação governamental, com uma integração internacional inédita. Mesmo assim foi tarde demais e agora chegamos ao fim de um ciclo de crescimento vigoroso mundial, para a primeira recessão do século XXI.

Vamos ver o que vem por aí. Agora é que surgem as oportunidades, isso é o certo. Um dos problemas vai ser identificar o fundo do poço. Hoje muitas companhias se dizem subvalorizadas. A questão é que são verdadeiramente muitas, e a situação continua piorando.

No Brasil a coisa não vai tão mal. Mas também já começa a piorar. Depois do ponto alto do ano, com a descoberta do pré-sal e algumas demonstrações de inveja internacionais. Lembro de uma frase do New York Times "parece que tudo que eles fizeram lá começou a dar certo". Referiam-se ao etanol e à exploração de petróleo em águas profundas.

Claro que a inveja se tornou contestação em alguns casos. A eleição de Lugo, um bom bispo e, acredito, um elemento positivo para moralizar a política paraguaia, tomou ares de contestação (pelo menos a mídia brasileira sempre o encarou como um radical). Tenho a impressão que ele não vai conseguir mudar o tratado de Itaipu, mas vai conseguir melhores condições (já conseguiu algumas) para o Paraguai. Não vai ser comprável.

Já Rafael Correa e Hugo Chávez tiveram de elevar o tom das bravatas conforme o petróleo caiu de preço. A questão é puramente econômica. Nosso olhar é sempre de nação ofendida, de falta de respeito ao brasileiro. Oras, o que houve foi um desentendimento com uma empreiteira e posteriormente uma ameaça de não pagamento da dívida. O governo equatoriano, questionou o pagamento da obra e promoveu um estudo interno para avaliar se o endividamento era legítimo. Diga-se de passagem que a dívida estava assegurada. Claro que se houver o default, vamos reivindicar e retaliar conforme pudermos. O fato é que as relações latino-americanas nesse ano que começa tendem a ficar mais claras, conforme o enfraquecimento dessas potências petrolíferas.

As Farc praticamente acabaram-se. Chávez foi pego de calças curtas depois de um relatório da interpol e depois que os computadores das lideranças da guerrilha foram apreendidos. O resgate de Íngrid Betancourt foi a cereja do bolo.

Pessoalmente conheci São Paulo neste ano. Desmitifiquei muitas coisas que tinha como certas. Vi a ascensão de vários amigos, bons amigos. Foi um bom ano, de muito trabalho, é verdade. Um esforço que tenho certeza que valeu a pena. Para esse ano espero que haja uma melhora nos posts. Como sempre. Vou tender para o pedantismo e academicismo por um tempo, pelo menos. As fotos devem voltar também, aos poucos.

E que venha a crise, em forma de marolinha se possível!

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Petróleo

Qual é o verdadeiro preço do petróleo? Afinal de contas, a alta acelerada desses últimos anos, seguida pela queda absurda dos últimos meses deve dar uma média ainda acima da média histórica. Claro que tem de entrar nessa conta o deflacionamento do produto e o volume consumido. Isso sem contar o famoso preço futuro, aquele extra cobrado para que os detentores das reservas consigam sobreviver depois que elas acabarem.

Mas a questão que me vem em mente é que, conforme o petróleo chega ao fim, ele encarece, e conforme encarece não apenas coloca dinheiro nas burras dos membros da Opep, mas também estimula a pesquisa de energias alternativas. Isso, por sua vez, não colocaria de volta um freio na aceleração do preço?

Lógico que a queda no preço também vai estimular o consumo, e por sua vez, a redução das pesquisas alternativas. Mas muitos países já estão vendo beneficios além dos econômicos (os ambientais passaram a ser valorizados).

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Coisas perturbadoras

Apostou em John Nash e na teoria da colaboração competitiva. Emprestou o bem que mais lhe definia como alfaiate, a máquina de costura, a um bordador talentoso porém desprovido do equipamento. Não que o bordador fosse despossuído de tudo. Na verdade estava em situação bem melhor que a dele, ocorre que era especialista em bordados e não foi previdente o suficiente para comprar o arsenal de costura.

Isso não impediu o competente bordador de aceitar uma bela encomenda, dada como um presente por seus esforçados préstimos com os fios de costura. Ele engoliu a alegria, porém, ao pedir o equipamento emprestado ao concorrente. O alfaiate havia chegado há pouco na praça e confiava no equipamento que tinha como uma forma de levar vantagem na competição costureira. O bordador o conhecia de outros cortes no tempo.

-- Você vai usar a sua máquina? Preciso dela ou não terei como atender ao pedido de um terno italiano caríssimo. -- indagou o bordador.

Um dilema rápido contaminou as idéias do alfaiate. Não emprestar e contar com o mal humor do talentoso bordador, ou afiançar o empreendimendo do concorrente, e correr o risco de perder a máquina e a possível clientela?

-- Tu... tudo bem. -- disse, por fim, o alfaiate, e a dor de uma úlcera se manifestou em seu estômago.

Apostou na competição colaborativa. Concedeu a máquina, comprada com árdua economia.

O bordador recebeu elogios quando o terno italiano ficou pronto, magnífico. Ninguém imaginava que teria talento também com as máquinas. Logo lhe deram crédito para que comprasse a sua própria e pudesse aceitar mais encomendas. Enriqueceu graças ao sucesso e ao talento, e àquela mãozinha que o primeiro alfaiate nunca esqueceu.

Quanto a este, continuou por algum tempo penando, à procura de clientes. O sucesso repentino do concorrente, alavancado por seu empréstimo, ofuscou um pouco seu talento próprio. Sim, ele também tinha talento, embora o bordador nunca tivesse admitido isso, razão pela qual o agradeceu, repassou algumas rebarbas de trabalho que lhe sobravam, tamanho o sucesso que tinha.

Mistérios de Bar

Um babaca encosta o carro no meio da rua, num aprazível domingo à tarde.  A rua é tranquila, tem um boteco na esquina e pessoas despreocupadas. Mas a cena muda quando o cara desce em nossa direção, bêbado.

Burburinhos percorrem o bar, enquanto olhares tensos observam o bêbado beliscar e incomodar todos os comensais de uma mesa próxima. Ao lado, um senhor de barbas e cabelos brancos, bermuda e chinelos (um Papai Noel tropical) acompanha tudo com uma revolta especial. "Por isso eu votei na Marta, esse viado aí só pode ter votado no Kassab", diz, como ventríloquo, mordendo os dentes de raiva.

O babaca continua, mais bêbado que nunca. Lança olhares desafiadores, e caminha para o nosso lado ajeitando as calças, como quem se prepara para uma briga. Dá meia volta e deixa todos irritados. Há uma movimentação diferente, a cerveja esquenta nos copos junto com os temperamentos das pessoas.

De repente uma notícia entre suspiros. "Chamaram a polícia", a tensão dá lugar a sorrisos. A expectativa agora é que o cara não vá, mas que fique o tempo suficiente para ser preso, ou no mínimo levar uma multa. O careca, dono do bar, que estava bebendo com o Papai Noel já enxugou três vezes o suor da testa, enquanto tenta convencer o sujeito a tirar o carro do meio da rua. A essa altura uns dois ou três acidentes já se prenunciavam, a cada carro que entrava mais rápido, ou pedestre que passava desavisado.

Por fim o sujeito vai, incólume. O Papai Noel esmurra a mesa, e retoma a cerveja. Descubro em seguida que ele está tão bêbado quanto o sujeito do carro. Fala sobre as eleições, despeja mais e mais frases homofóbicas e por fim me conta a sua história. Tratava-se simplesmente disso, um bêbado com história.

Deleita-se ao saber que só tem jornalistas na mesa ao lado.

-- Vocês são jornalistas, então devem saber disso. Eu trabalhei num programa nuclear da marinha, ali na Dr. Arnaldo, que aquele viado do Collor encerrou, por causa dos americanos. É verdade, não é verdade? -- E olha para o mais velho, o sujeito que tinha chamado a polícia, que assente.

-- Viu como eu não estou mentindo? Eu cumprimentei o Sarney quando eles inauguraram o programa, em 1986. Me aposentei em 1996, a gente se aposenta rápido por causa da insalubridade.

As respostas eram ora pequenos assentimentos com a cabeça, ora monossílabos irritados, semancóis.

-- Vocês pesquisem por que eles acabaram com o programa. Foi por causa dos americanos! Olha o Brasil não deve nada para ninguém em tecnologia nuclerar. Eles acabaram com o laboratório ali na Dr. Arnaldo porque está há 200 milhas da costa, e os submarinos americanos poderiam detectar. Podem pesquisar e vão ver que não estou mentindo. Não é verdade -- e dava aquela olhada para o mais experiente, que a esta altura olhava o horizonte, o local vazio do carro, que seria palco da grande apreensão.

-- O meu nome? Sherlock, só te digo isso. Não posso dizer mais nada porque tenho um contrato para toda a vida! E riu.

Fomos embora, deixando o Papai Noel Sherlock com sua embriaguez atômica.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Bobagens por aí.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Imagine

se quando você crescer e virar chefe e tiver blog, imagine se vai querer ter empregado na empresa. Claro que haveria trabalho, mas trabalho numa estação adaptada às novas necessidades, trabalho numa casa ampla perto do verde, trabalho prazeroso daqueles que só tem no presente do futuro. Imagine se com isso haveria cidades tão grandes, com tantos problemas e necessidades.

O trânsito maior seria o dos dados. Os horários seriam totalmente flexíveis, com reuniões virtuais, não seria mais necessário horas de arrumação ou locação de espaços. Tudo seria feito remotamente. O contato interpessoal poderia ser usado para as horas de lazer para momentos especiais. Seria algo sublime. Lógico que a misantropia iria aumentar, é talvez o efeito colateral. Mas com casas mais confortáveis e menos estresse, talvez o sentimento de comunidade tivesse mais força. E pequenas cidades, com pessoas mais informadas, talvez trouxessem um outro sentido à democracia.

Que venha a revolução no trabalho, e que venha o sossego!

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Um silêncio frustrante

A vida parece estar me colocando alguns testes, testes de paciência, principalmente. A razão do silêncio neste blog é um computador estragado há quase um mês. Tudo começou com uma compra por impulso, numa dessas lojinhas tipo chinesas, só que comandadas por brasileiros. Há garantia de seis meses, me diria o vendedor, preenchendo a nota fiscal, sem segunda via, sem número de série, e trocando o selo de validade vencida de uma das memórias que me fornecia. Ainda fez uma graça, dizendo que a validade era perdida caso fosse tocada por mãos humanas. Alien maldito!

Instalei, não deu, troquei, deu, mas foi travando. Foi assim. Logo que instalei o primeiro par me decepcionei. Demorei a trocar o segundo e nesse meio tempo continuei com as velhas memórias. Boas memórias, aquelas. Quando coloquei os pentes trocados, já diferentes dos que eu havia pedido, milagrosamente funcionou. Mas funcionou por pouco tempo. Nem um mês depois, o computador travou, para nunca mais voltar. Ali acabava a minha felicidade. Começava o tempo das memórias difíceis.

O conserto, uma pequena fortuna, não grande o suficiente para me fazer desistir do computador. Os fiasdamãe dos técnicos calculam exatamente aquele valor irresistível, aquele valor em que você ainda acredita no melhor. É uma operação de risco e meu computador jaz na uti do laptop, em algum canto da av. paulista. Torço pelo melhor, embora já esteja me preparando psicologicamente para o pior.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Hay que endurecer

Era um radical comedido. Antes de sair de casa, fazia questão de dar o nó na bravata.

(da série Trocadilhos)


terça-feira, 17 de junho de 2008

A crítica de Ramonet

Ignácio Ramonet é considerado um dos baluartes de uma suposta crítica organizada ao neoliberalismo. O suposta se refere à organizada, mas isso é outro aparte. Ignácio Ramonet é hoje membro do Conselho Editorial do Le Monde Diplomatic, versão mensal. A publicação existe em diversos países, incluindo o Brasil. Por aqui é elegantemente produzida em papel couchê e formato Berliner. Algo para se colecionar mesmo. O conteúdo tem um quê de Caros Amigos, um toque daquela esquerda deslocada do poder, mas que parece ter encontrado um meio de se financiar honestamente. O discurso de Ramonet é assim, uma composição elegante com elementos da esquerda deslocada do poder.

A mídia, diz Ramonet, deixou de ser uma aliada do povo em favor da democracia. O quarto poder, que deveria ser o watchdog, o cão vigia dos outros três poderes (executivo, legislativo e judiciário, na divisão clássica de Montesquieu) não está fazendo a sua parte. Isso porque as empresas de comunicação de hoje se tornaram realmente tão poderosas quantos os demais poderes. Poder que veio com a tecnologia e com a própria garantia de liberdade de expressão das democracias modernas.

As empresas de comunicação tornaram-se impessoais, o produto, irreconhecível. As megacorporações midiáticas não têm mais um dono de carne e osso, são antes um corpo de acionistas anônimos, em busca de lucro acima de tudo. O produto já é multimeios, internet, TV, rádio e papel estão convergindo num mesmo negócio, aquele de vender público para anunciantes, e não mais conteúdo para o público. Essa é a síntese da crítica do comunicólogo.

A convergência é realmente a bola da vez. A Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OECD) publicou no começo do mês um relatório mostrando o caminho sem volta da convergência. Todos os serviços de comunicação: telefonia móvel, internet, telefonia e tv a cabo devem se fundir numa grande rede de fibra óptica, que um dia vai chegar até todos os consumidores. Isso se encaixa nesse aspecto da crítica de Ramonet. Voltemos a ele.

Ramonet tem uma visão pessimista. Acha que é impossível reverter o atual quadro. O cenário, aliás, tende a se agravar. Dá como exemplo dados da Espanha e Brasil, países que melhoraram a educação nos últimos 20 anos, mas que, ao mesmo tempo, viram seus principais jornais caírem em termos de qualidade editorial. "Isso ocorre porque os grandes veículos tiveram que baixar o grau de complexidade para aumentar o seu público", disse o comunicólogo e semiota. É possível fazer veículos bons, mas para um público seleto. De fato, a idéia de se fazer um jornal apenas com conteúdo exclusivamente crítico (que pelo posicionamento de Ramonet, entendo que seria um periódico de qualidade editorial) é difícil, em se tratando do grande público. Ele cita o exemplo dos jornais de metrô e ônibus, gratuitos, mas sem conteúdo bom.

Claro está que para se produzir conteúdo gasta-se dinheiro e os gratuitos não investem nisso, são antes replicadores de outras notícias, principalmente aquela produzida pelos os velhos jornais, escolados na arte da pauta. É natural, portanto, ser pessimista, partindo-se do ideal de uma mídia de massa de qualidade editorial e gratuita. O modelo ideal, quem sabe, seria um veículo público, que ainda assim teria de ser regido por uma comissão mista entre sociedade civil e Estado, para não cair nas garras da burocracia. Utopia. É melhor ser pessimista.

A internet também não suscita grandes esperanças em Ramonet. Ele vê uma concentração dos acessos (novamente pensando na massa) nos grandes provedores, detidos pelos grandes grupos midiáticos. É verdade. Os grandes controlam a maior parte dos clicks na internet. Mas é também algo natural, são eles que fornecem serviços gratuitos muitas vezes, e um conteúdo diferenciado. O Google, embora não seja exatamente uma companhia de mídia, é totalmente baseado nisso.

Esse foi o aspecto mais contraditório expresso por Ramonet na pequena palestra que deu no Centro Cultural Cervantes, no final de maio. Ele não deixou claro se estamos diante da salvação ou do danação da Comunicação Social. Ao mesmo tempo em que não confia na internet, vê nela um espaço de organização social. Citou o exemplo de uma enfermeira que levou o prêmio Nobel por ajudar a combater as minas terrestres em todo o mundo, concentradas na África.

Talvez faltou tempo para que Ramonet explicasse exatamente essa relação dúbia que tem com a internet. Uma linha de pensamento possível seria no caminho da iniciativa IPower. Eles acreditam num plano de concentração dos servidores mundiais e, com isso, controle do conteúdo na internet, para acontecer em 2012. Algo que pode ser o hoax do século, mas interessante. Talvez a concentração mais perigosa esteja justamente aí, nas mãos dos detentores dos cabos e entroncamentos das fibras ópticas. Literalmente os gatekeepers de hoje.

Há uns tempos um navio cortou um cabo submarino e deixou milhões sem internet no Oriente Médio e Ásia. Foi o caos. Isso deu um bom exemplo da dependência que o mundo atual tem da internet. Um mau exemplo dá a China quando desenvolve várias formas de controle de conteúdo, com o preocupante aval de sites como Google. Isso pode ser um sinal amarelo para algo maior. Para uma verdadeira parada geral no fluxo livre de informação. Aí sim as desconfianças de Ramonet teriam mais sentido.

As mudanças dos veículos, no entanto, parecem positivas. A partir da internet o leitor (internauta) teve mais participação na pauta e na crítica. Os jornais respeitam cada vez mais a direção dos cliques. Muitos contratam (cooptam) blogueiros famosos. Ainda são eles, no entanto, quem produzem as notícias. Pelo menos são os que investem dinheiro num serviço profissional de apuração, com enviados especiais e equipes de reportagem. Nem tudo pode ser substituído pelos blogs.

Ramonet terminou com uma metáfora de efeito. Assim como os movimentos para a melhora da qualidade da comida nos Estados Unidos lutam para que se possa chegar num restaurante e pedir um alimento sem gordura, ou um café descafeinado, diz ele, o que o Media Watch (o observatório de que faz parte) luta é para que possamos chegar numa banca e pedir um jornal sem mentiras. Os blogueiros ficaram extasiados. Como se fosse possível pedir um hamburger com batatas fritas saudável, ou um café descafeinado livre de outros inúmeros problemas. Após a palestra gratuita, os presentes foram convidados a conhecer alguns livros do autor, também disponíveis para venda no local. Um meio honesto de se financiar.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Piazada


Piá é piá,
piá é pedra na água,
pé no chão,

barra da calça encharcada.

"Prepare as cavalas", e ele juntava as chatas, aquelas que eu chamava de corta vento, as melhores para pular na água.

"O máximo que a gente conseguiu foi 53 pulinhos", diz o outro. Fico imaginando a contagem, o desespero, números sussurrados se atropelando numa linha sobre a água. Cinqüenta e três é um bom número para o infinito.

Depois a outra modalidade. "Vamos jogar pra cima, pra ele ver". E catapultam as pedrinhas pro alto, por pouco mantendo o equilíbrio. Pontas do pés.

Um olhar curioso para as pequenas fotinhos que se revelavam na câmera. "Isso não é uma câmera, é uma filmadora!" Dou tchau e eles continuam as brincadeiras.

Caminho longe e ainda escuto as risadas, as pedrinhas e as gotas d'água. As calças molhadas que não incomodam, a vitalidade de quem descobre a vida.

Faz um friozinho, um fim de tarde de bonança. A piazada continua, talvez, e tomara, até que o sol pare de brilhar.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Um mundo de energia

A Economist está agora mesmo, com uma reportagem especial dedicada a Haroldo Lima, diretor da ANP. Fala sobre as descobertas submarinas da Petrobras e as implicações delas sobre o mundo. Aos que acreditam no crash do petróleo as recentes descobertas da Petrobras podem jogar um mar de água fria sobre a escassez do recurso.

Alguns ambientalistas parecem já ter se atentado a isso. O perigo, dizem, não é o fim do petróleo, mas o quanto de queima de petróleo a Terra aguenta.

O alto preço do combustível fóssil tem acelerado os investimentos em alternativas -- além, claro, de tornar viáveis explorações caras como as da camada pré-sal de Tupi e eventualmente de Carioca-Pão-de-Açúcar. A viabilidade do etanol brasileiro (hoje se consome mais álcool do que gasolina no país) e os investimentos em outras formas de energia são sinais de que os combustíveis alternativos podem se firmar num mundo com petróleo mais caro.

Um recente estudo do Fórum Econômico Mundial aponta o papel da inovação em resolver o problema da energia mundial. Se o consumo continuar como está, até 2030, o mundo consumirá 50% a mais do que hoje em energia.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Pablo, el hair designer

O cabelo estava grande, mas ele insistia em dizer que tinha cortado. Às voltas com o espelhinho, tentando me mostrar o ótimo serviço que tinha feito. Eu ainda estava na cadeira de cabeleireiro, um pé no chão, disposto a sair ou a chutar a bunda desse barbeiro vagabundo. O lado direito mais curto que o esquerdo, o pé intacto. Nunca fui num lugar tão vagabundo.

Pablo, o cabeleireiro, gaguejava. Num portunhol engasgado ele insistia em dizer que tinha terminado. Perguntei se ele tinha máquina.

-- Sim, que número bocê ussa?

-- Passe a quatro.

-- No tenho. Pode ser a dos?

-- Não, não pode.

-- Eu corto mais curto então.

Eu devia ter pedido a "dos". O meu arrependimento foi gradativo, ultrapassou a sessão da tarde, avançou a malhação e culminou no SP TV. Meus pais, cansados, anestesiados de uma viagem longa, compras e caminhadas, agonizavam nas cadeirinhas do salão. Pablo insistia, tesouradas incertas, fugidias, iam esculpindo toscamente meu cabelo.

Logo na entrada tive indícios que aquele lugar não ia dar certo. O preço, vinte reais abusivos pelo naipe do local. A porta de vidro trancada, que acompanhava a janela/vitrine com persianas igualmente fechadas. Quem me abriu foi uma manicure mal-educada.

-- Quem vai te atender é o moço ali.

Pablo era como uma criança gorda, a idade se notava pelos longos cabelos grisalhos. A experiência, pelo dedo mutilado.

-- Bocê é de Curitiba, tive uma fábrica de blocos de de motor lá -- disse-me enquanto lavava meus cabelos, com a unha deformada massageando meu couro cabeludo.

O fato é que ao fim, o cabelo estava horrível. O pagamento doeu na alma. A revolta me deixou calado, pelo resto das duas horas que durou o corte de cabelo, depois daquele primeiros trinta minutos quando ele insistiu em me mostrar que tinha trabalhado.

-- Bocê me pegou, é. Tava fazendo o corte bolte logo -- confessou, desavergonhadamente, antes da minha partida.

Deu-me um calendarinho, espécie de prêmio de consolação ou símbolo da paz. Fez questão de escolher o que tinha a foto das cataratas do Iguaçu no topo. Não volto lá nunca mais.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Os vapores

As lembranças me vêm em cheiros. O cheiro de mato molhado da chuva, que me remete à infância e à fazenda. O cheiro do estofado velho de casa de vó, uma distante rabanada nos fogões à lenha dos invernos passados.

Hoje os cheiros já não me comovem. Me irritam nariz e orelhas. Produzem quilos de secreções, tão nojentas quanto os excrementos que os originam. Os gatis e pombais, galerias pluviais e esgotos fechados e abertos. Isso sem contar a fuligem suspensa que nos move. Os carros que nos fazem fumar a cota diária de quem deve viver menos.

Os vapores daqui me cansam. É preciso sair em busca de outros ares.