terça-feira, 22 de abril de 2008

Piazada


Piá é piá,
piá é pedra na água,
pé no chão,

barra da calça encharcada.

"Prepare as cavalas", e ele juntava as chatas, aquelas que eu chamava de corta vento, as melhores para pular na água.

"O máximo que a gente conseguiu foi 53 pulinhos", diz o outro. Fico imaginando a contagem, o desespero, números sussurrados se atropelando numa linha sobre a água. Cinqüenta e três é um bom número para o infinito.

Depois a outra modalidade. "Vamos jogar pra cima, pra ele ver". E catapultam as pedrinhas pro alto, por pouco mantendo o equilíbrio. Pontas do pés.

Um olhar curioso para as pequenas fotinhos que se revelavam na câmera. "Isso não é uma câmera, é uma filmadora!" Dou tchau e eles continuam as brincadeiras.

Caminho longe e ainda escuto as risadas, as pedrinhas e as gotas d'água. As calças molhadas que não incomodam, a vitalidade de quem descobre a vida.

Faz um friozinho, um fim de tarde de bonança. A piazada continua, talvez, e tomara, até que o sol pare de brilhar.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Um mundo de energia

A Economist está agora mesmo, com uma reportagem especial dedicada a Haroldo Lima, diretor da ANP. Fala sobre as descobertas submarinas da Petrobras e as implicações delas sobre o mundo. Aos que acreditam no crash do petróleo as recentes descobertas da Petrobras podem jogar um mar de água fria sobre a escassez do recurso.

Alguns ambientalistas parecem já ter se atentado a isso. O perigo, dizem, não é o fim do petróleo, mas o quanto de queima de petróleo a Terra aguenta.

O alto preço do combustível fóssil tem acelerado os investimentos em alternativas -- além, claro, de tornar viáveis explorações caras como as da camada pré-sal de Tupi e eventualmente de Carioca-Pão-de-Açúcar. A viabilidade do etanol brasileiro (hoje se consome mais álcool do que gasolina no país) e os investimentos em outras formas de energia são sinais de que os combustíveis alternativos podem se firmar num mundo com petróleo mais caro.

Um recente estudo do Fórum Econômico Mundial aponta o papel da inovação em resolver o problema da energia mundial. Se o consumo continuar como está, até 2030, o mundo consumirá 50% a mais do que hoje em energia.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Pablo, el hair designer

O cabelo estava grande, mas ele insistia em dizer que tinha cortado. Às voltas com o espelhinho, tentando me mostrar o ótimo serviço que tinha feito. Eu ainda estava na cadeira de cabeleireiro, um pé no chão, disposto a sair ou a chutar a bunda desse barbeiro vagabundo. O lado direito mais curto que o esquerdo, o pé intacto. Nunca fui num lugar tão vagabundo.

Pablo, o cabeleireiro, gaguejava. Num portunhol engasgado ele insistia em dizer que tinha terminado. Perguntei se ele tinha máquina.

-- Sim, que número bocê ussa?

-- Passe a quatro.

-- No tenho. Pode ser a dos?

-- Não, não pode.

-- Eu corto mais curto então.

Eu devia ter pedido a "dos". O meu arrependimento foi gradativo, ultrapassou a sessão da tarde, avançou a malhação e culminou no SP TV. Meus pais, cansados, anestesiados de uma viagem longa, compras e caminhadas, agonizavam nas cadeirinhas do salão. Pablo insistia, tesouradas incertas, fugidias, iam esculpindo toscamente meu cabelo.

Logo na entrada tive indícios que aquele lugar não ia dar certo. O preço, vinte reais abusivos pelo naipe do local. A porta de vidro trancada, que acompanhava a janela/vitrine com persianas igualmente fechadas. Quem me abriu foi uma manicure mal-educada.

-- Quem vai te atender é o moço ali.

Pablo era como uma criança gorda, a idade se notava pelos longos cabelos grisalhos. A experiência, pelo dedo mutilado.

-- Bocê é de Curitiba, tive uma fábrica de blocos de de motor lá -- disse-me enquanto lavava meus cabelos, com a unha deformada massageando meu couro cabeludo.

O fato é que ao fim, o cabelo estava horrível. O pagamento doeu na alma. A revolta me deixou calado, pelo resto das duas horas que durou o corte de cabelo, depois daquele primeiros trinta minutos quando ele insistiu em me mostrar que tinha trabalhado.

-- Bocê me pegou, é. Tava fazendo o corte bolte logo -- confessou, desavergonhadamente, antes da minha partida.

Deu-me um calendarinho, espécie de prêmio de consolação ou símbolo da paz. Fez questão de escolher o que tinha a foto das cataratas do Iguaçu no topo. Não volto lá nunca mais.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Os vapores

As lembranças me vêm em cheiros. O cheiro de mato molhado da chuva, que me remete à infância e à fazenda. O cheiro do estofado velho de casa de vó, uma distante rabanada nos fogões à lenha dos invernos passados.

Hoje os cheiros já não me comovem. Me irritam nariz e orelhas. Produzem quilos de secreções, tão nojentas quanto os excrementos que os originam. Os gatis e pombais, galerias pluviais e esgotos fechados e abertos. Isso sem contar a fuligem suspensa que nos move. Os carros que nos fazem fumar a cota diária de quem deve viver menos.

Os vapores daqui me cansam. É preciso sair em busca de outros ares.