terça-feira, 24 de junho de 2008

Hay que endurecer

Era um radical comedido. Antes de sair de casa, fazia questão de dar o nó na bravata.

(da série Trocadilhos)


terça-feira, 17 de junho de 2008

A crítica de Ramonet

Ignácio Ramonet é considerado um dos baluartes de uma suposta crítica organizada ao neoliberalismo. O suposta se refere à organizada, mas isso é outro aparte. Ignácio Ramonet é hoje membro do Conselho Editorial do Le Monde Diplomatic, versão mensal. A publicação existe em diversos países, incluindo o Brasil. Por aqui é elegantemente produzida em papel couchê e formato Berliner. Algo para se colecionar mesmo. O conteúdo tem um quê de Caros Amigos, um toque daquela esquerda deslocada do poder, mas que parece ter encontrado um meio de se financiar honestamente. O discurso de Ramonet é assim, uma composição elegante com elementos da esquerda deslocada do poder.

A mídia, diz Ramonet, deixou de ser uma aliada do povo em favor da democracia. O quarto poder, que deveria ser o watchdog, o cão vigia dos outros três poderes (executivo, legislativo e judiciário, na divisão clássica de Montesquieu) não está fazendo a sua parte. Isso porque as empresas de comunicação de hoje se tornaram realmente tão poderosas quantos os demais poderes. Poder que veio com a tecnologia e com a própria garantia de liberdade de expressão das democracias modernas.

As empresas de comunicação tornaram-se impessoais, o produto, irreconhecível. As megacorporações midiáticas não têm mais um dono de carne e osso, são antes um corpo de acionistas anônimos, em busca de lucro acima de tudo. O produto já é multimeios, internet, TV, rádio e papel estão convergindo num mesmo negócio, aquele de vender público para anunciantes, e não mais conteúdo para o público. Essa é a síntese da crítica do comunicólogo.

A convergência é realmente a bola da vez. A Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OECD) publicou no começo do mês um relatório mostrando o caminho sem volta da convergência. Todos os serviços de comunicação: telefonia móvel, internet, telefonia e tv a cabo devem se fundir numa grande rede de fibra óptica, que um dia vai chegar até todos os consumidores. Isso se encaixa nesse aspecto da crítica de Ramonet. Voltemos a ele.

Ramonet tem uma visão pessimista. Acha que é impossível reverter o atual quadro. O cenário, aliás, tende a se agravar. Dá como exemplo dados da Espanha e Brasil, países que melhoraram a educação nos últimos 20 anos, mas que, ao mesmo tempo, viram seus principais jornais caírem em termos de qualidade editorial. "Isso ocorre porque os grandes veículos tiveram que baixar o grau de complexidade para aumentar o seu público", disse o comunicólogo e semiota. É possível fazer veículos bons, mas para um público seleto. De fato, a idéia de se fazer um jornal apenas com conteúdo exclusivamente crítico (que pelo posicionamento de Ramonet, entendo que seria um periódico de qualidade editorial) é difícil, em se tratando do grande público. Ele cita o exemplo dos jornais de metrô e ônibus, gratuitos, mas sem conteúdo bom.

Claro está que para se produzir conteúdo gasta-se dinheiro e os gratuitos não investem nisso, são antes replicadores de outras notícias, principalmente aquela produzida pelos os velhos jornais, escolados na arte da pauta. É natural, portanto, ser pessimista, partindo-se do ideal de uma mídia de massa de qualidade editorial e gratuita. O modelo ideal, quem sabe, seria um veículo público, que ainda assim teria de ser regido por uma comissão mista entre sociedade civil e Estado, para não cair nas garras da burocracia. Utopia. É melhor ser pessimista.

A internet também não suscita grandes esperanças em Ramonet. Ele vê uma concentração dos acessos (novamente pensando na massa) nos grandes provedores, detidos pelos grandes grupos midiáticos. É verdade. Os grandes controlam a maior parte dos clicks na internet. Mas é também algo natural, são eles que fornecem serviços gratuitos muitas vezes, e um conteúdo diferenciado. O Google, embora não seja exatamente uma companhia de mídia, é totalmente baseado nisso.

Esse foi o aspecto mais contraditório expresso por Ramonet na pequena palestra que deu no Centro Cultural Cervantes, no final de maio. Ele não deixou claro se estamos diante da salvação ou do danação da Comunicação Social. Ao mesmo tempo em que não confia na internet, vê nela um espaço de organização social. Citou o exemplo de uma enfermeira que levou o prêmio Nobel por ajudar a combater as minas terrestres em todo o mundo, concentradas na África.

Talvez faltou tempo para que Ramonet explicasse exatamente essa relação dúbia que tem com a internet. Uma linha de pensamento possível seria no caminho da iniciativa IPower. Eles acreditam num plano de concentração dos servidores mundiais e, com isso, controle do conteúdo na internet, para acontecer em 2012. Algo que pode ser o hoax do século, mas interessante. Talvez a concentração mais perigosa esteja justamente aí, nas mãos dos detentores dos cabos e entroncamentos das fibras ópticas. Literalmente os gatekeepers de hoje.

Há uns tempos um navio cortou um cabo submarino e deixou milhões sem internet no Oriente Médio e Ásia. Foi o caos. Isso deu um bom exemplo da dependência que o mundo atual tem da internet. Um mau exemplo dá a China quando desenvolve várias formas de controle de conteúdo, com o preocupante aval de sites como Google. Isso pode ser um sinal amarelo para algo maior. Para uma verdadeira parada geral no fluxo livre de informação. Aí sim as desconfianças de Ramonet teriam mais sentido.

As mudanças dos veículos, no entanto, parecem positivas. A partir da internet o leitor (internauta) teve mais participação na pauta e na crítica. Os jornais respeitam cada vez mais a direção dos cliques. Muitos contratam (cooptam) blogueiros famosos. Ainda são eles, no entanto, quem produzem as notícias. Pelo menos são os que investem dinheiro num serviço profissional de apuração, com enviados especiais e equipes de reportagem. Nem tudo pode ser substituído pelos blogs.

Ramonet terminou com uma metáfora de efeito. Assim como os movimentos para a melhora da qualidade da comida nos Estados Unidos lutam para que se possa chegar num restaurante e pedir um alimento sem gordura, ou um café descafeinado, diz ele, o que o Media Watch (o observatório de que faz parte) luta é para que possamos chegar numa banca e pedir um jornal sem mentiras. Os blogueiros ficaram extasiados. Como se fosse possível pedir um hamburger com batatas fritas saudável, ou um café descafeinado livre de outros inúmeros problemas. Após a palestra gratuita, os presentes foram convidados a conhecer alguns livros do autor, também disponíveis para venda no local. Um meio honesto de se financiar.