terça-feira, 31 de julho de 2007

Definindo os faxinais e introduzindo o assunto

Há dois anos aproximadamente, tomei conhecimento dos faxinais no Paraná. Embora tenha morado praticamente toda a vida a poucos quilômetros das áreas de faxinal no Paraná (em Guarapuava, centro sul do Estado) e tenha ouvido muitas vezes as pessoas se referindo a um local ou outro como faxinal, nunca tinha me dado conta da importância do assunto, cultural e ambientalmente falando.

Para quem não sabe, faxinal é um sistema de produção agrícola rudimentar e comunitário. Ele funciona mantendo uma área de mata nativa, que serve de criadouro comunitário, para pequenas criações (porco, cabrito e galinha, notadamente) e onde estão construídas as casas de seus moradores. No entorno dos faxinais é que acontece a atividade agrícola propriamente dita, as roças, quase sempre de milho, fumo ou soja.

Os faxinalenses, dessa forma, sobrevivem da agricultura e da criação para subsistência. Seu modo de produção comunitário fascina os pesquisadores e jornalistas que como eu, tiveram a oportunidade de adentrar os rincões da Floresta com Araucárias e conversar com alguns moradores. Na época que fiz minhas visitas, em fevereiro do ano passado, pude entrevistar alguns moradores mais antigos dos faxinais em Prudentópolis. O município que abriga cerca de 50% dos faxinais no Paraná é também o que mais recebeu imigrantes ucranianos no Estado. Dessa forma, os faxinais prudentopolitanos são predominantemente compostos por descendentes desses imigrantes.

Quando pedidos para explicar a origem dos faxinais, os moradores acabam recorrendo a especulações e muitas vezes à tautologia, já que o sistema não parece ter sido uma herança ucraniana. Muitos o justificam como uma herança indígena, dizendo que os imigrantes assentaram suas casas nos mesmos locais tradicionalmente ocupados pelo grupo coroado que ali habitou, e fizeram suas roças também nos mesmos locais. Até porque a própria derrubada da floresta, naquela época (fins do século XIX) era tarefa árdua.

Outros no entanto, preferem simplesmente dizer que era costume dos antigos, fazer a roça no barranco ("a Róça nas baRócas", naquele forte sotaque ucraniano), e deixar os lugares mais planos com a mata, para moradia e criação. Um recente trabalho de doutorado da professora Madalena Nerone apontou para o faxinal como uma possível herança lusa, já que o sistema se assemelharia muito com um sistema de terras coletivas numa região fronteiriça entre Espanha e Portugal (que agora não saberia lhes explicar com mais detalhes simplesmente porque quando conversei com a professora, sua tese ainda não havia sido publicada e ela preferiu não me fornecer o trabalho, com medo de plágio).

As dúvidas sobre a origem não deixam menos interessante e não tornam, também, menos problemática a situação dos faxinais. Um sistema de propriedade coletiva dificilmente resiste às garras do capitalismo, personificado pelo agronegócio no campo. A expansão das lavouras de soja tem dizimado os faxinais, que estão praticamente se extinguindo no Estado. Ao mesmo tempo, a própria Secretaria de Agricultura, que vê com maus olhos a criação de animais à solta, próximos a áreas de horta ou coisa parecida é um fator desestimulador da continuidade do sistema.

As tentativas de proteger os faxinais até agora contribuiram para complicar um pouco mais a situação dos faxinalenses. A inclusão dos faxinais na pioneira Lei do ICMS Ecológico, em 1997, culminou por impor uma visão de que o importante era a mata e não o modo de produção. O repasse de dinheiro, por sua vez, politizou os próprios faxinalenses, que passaram a piquetear (cercar) suas propriedades dentro dos faxinais, (já que o que interessava era a mata em si), acabando com o sistema de criadouro comunitário.

No ano passado, um avanço propriciado pelo governo federal, deu novas esperanças aos faxinalenses. O reconhecimento do faxinal como uma comunidade tradicional do Brasil incluiu, dessa vez, os aspectos culturais e econômicos dos faxinalenses na história. No início do mês passado (junho de 2007) os faxinalenses da parte atendida pela ONG Articulação dos Puxirões, promoveu uma audiência na Assembléia Legislativa do Paraná, para propor uma lei estadual que reconhecesse os faxinalesnes oficialmente, oferecendo meios para que eles se mantenham e não cedam às pressões do agronegócio.

Na ocasião foi lançado um mapa de Cartografia Social dos povos tradicionais brasileiros. No Paraná, os faxinais de Prudentópolis simplesmente não constavam no mapa. Isso porque estavam na jurisdição de outra ONG, o Instituto Guardiões da Natureza. Em conversas separadas com pesquisadores e membros das ONGs, pude perceber que há de fato uma territorialidade dessas organizações, que eu pretendo cobrir em um trabalho de mestrado. Essa é a pretensão, ao menos.

6 comentários:

Daniel Caron disse...

O tema é sem dúvida apaixonante. Espero acompanhar a continuidade do trabalho!

Roberto Martins de Souza disse...

Paulo, a Articulaçao Puxirão não é uma ONG e sim um movimento social. sobre a Cartografia Social, não houve nenhum tipo de demarcaçao territorial entre ongs. Foi simplismente uma atividade conduzida pela Articulaçao Puxirão com os faxinais que na época participavam deste movimento.

Unknown disse...

Caro Roberto, a classificação de ONG de fato nem existe na legislação brasileira, enquadram-se nela as associações civis e fundações. Não sei se legalmente a Articulação é uma associação constituída, imagino que seja. Nesse caso, quis classificar como ONG num sentido mais amplo, num sentido de sociedade civil. Algo que abrange, aí sim, os movimentos sociais.
Quanto à tese de territorialidade das ONGs, foi uma hipótese que surgiu na época do lançamento da cartografia, especialmente porque não notei, no mapa em si, a presença de cerca de metade dos faxinais paranaenses, situados na região de Prudentópolis. Acabei declinando desse tema, depois que a legislação que reconhece os faxinais foi aprovada na Assembléia. Enveredei por aí a pesquisa.

Unknown disse...

Apesar de ser pesquisadora da dinâmica da agricultura familiar em áreas de assentamentos federais aqui em Pernambuco, fiquei intrigada com o tema abordado hoje no Globo Rural.Pensei em algo que vai além da AF, talvez culturalmente.Muito interessante pois aproxima-se da sustentabilidade que se almeja para os agricultores familiares.

LAEL LEMOS INACIO disse...

Parabens, seu comentário é claro. Aproveito para dizer um pouco tarde, mas na sua pesquisa para mestrado, veja o que realmente uma ONG quer com a comunidade em foco. Talvez seria mais seguro uma organizaçao social como uma central de associaçoes de faxinais do parana.
LAEL LEMOS INACIO

Anônimo disse...

Os faxinais, como 'estrutura sociologica', eram comuns na Europa na Idade Media (ate' o seculo XVI). O rei Henrique VIII, ao confiscar as terras da Igreja, praticamente acabou com os 'faxinais'. O termo, usado em ingles, p/ o que aconteceu foi 'enclosure'. Este movimento iniciado pelo rei ingles, possibilitou o estabelecimento do Capitalismo na Inglaterra. Quando a Revolucao Industrial aconteceu, a mesma adotou um carater Capitalista, pois a destruicao dos 'faxinais' ingleses possibilitou a concentracao dos meios-de-producao
nas maos dos nobres ingleses.